Em defesa do medo

Pedro Limeira
2 min readFeb 19, 2019

Seu Gabriel foi um grande técnico em montagem de motores. Mais que um saber profissional, encantava seus aprendizes com o ar sábio-bonachão daquele sorrisão sempre embaixo dos bigodes grisalhos.

A primeira lição para montar um motor era simples: planejar. Deixar todas as peças à mão, checar se a máquina estava funcionando e coisas assim. Mas nada mais peculiar praqueles jovens que o escutavam em sua primeira semana de trabalho que a segunda lição.

— Pra ser um bom montador, é preciso ter medo.

Seu Gabriel, com toda sua experiência, silenciava para esperar baixar os burburinhos já previstos.

— Sem medo das máquinas, não dou dois dias para que vocês vão embora daqui sem uma parte dos dedos, se tiverem sorte. O medo delas é o que vai fazer com que vocês tenham cuidado na hora de apertar aqui e soldar acolá. A minúcia ao fazer os encaixes é feito com perfeição, mas só se tiver medo. Basta achar que dominou a máquina, que a arrogância leva uma parte sua embora.

Quem me contou essa história foi o Marcelo, um dos aprendizes que passou pelas lições de Seu Gabriel. Adivinhem só o rumo que ele tomou: virou técnico de segurança do trabalho. Falava do seu antigo mentor com o peito cheio e os olhos brilhantes. Emendou:

— Você sabia que a voltagem de choque que mais mata é a de 60W?

— Mas esse não é o mais fraco, Marcelo?

— Pois é. A galera fica mais descuidada. Pensam: se é o mais fraco, não mata. E esquecem que o aterramento aumenta a voltagem.

Esse breve encontro me fez refletir sobre o medo estar em baixa conta, ultimamente. Exalta-se a coragem, quem toma riscos. Mas o medo é aquele que gera o cuidado que faz toda a diferença. Nos leva a refletir sobre os riscos de perdermos algo que nos é caro. A questão em julgarmos e sentenciarmos o medo como algo ruim é deixar de escutá-lo. E, ao nos ensurdecermos a ele, perdemos a capacidade de enxergar o que de precioso está em jogo e, possivelmente, ficaremos sem dedos na máquina do Seu Gabriel.

Do que será que esse medo aí está cuidando?

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