Um guia para oficiais de Governo que querem promover Participação Cidadã efetiva

O que você lê aqui é uma tradução livre feita por mim, do texto escrito em inglês por John McKnight, disponível aqui.

Pedro Limeira
4 min readApr 3, 2021

Há alguns anos, eu participei da Conferência Canadense de Organizações de Desenvolvimento Comunitário. Centenas de grupos estavam presentes. O anfitrião da conferência me disse que o melhor “desenvolvedor” de comunidades de todo o Canadá estava lá. Apontou para um homem de meia idade chamado Gaeton Ruest, o prefeito de Amqui, cidade do Quebec.

Me apresentei para o prefeito Ruest e perguntei sobre Amqui. Ele disse que era uma cidade de cerca de 6.000 pessoas na Península Gaspe, no meio das Montanhas Chic Choc. Fica na intersecção entre os rios Matapedia e Humqui. Esses rios são os que possuem mais salmões do Atlântico de todo o continente norte-americano e a cidade de Amqui é o centro regional de pesca desses peixes.

O Rio Matapedia; fonte da imagem https://fr.wikipedia.org/wiki/Rivi%C3%A8re_Matap%C3%A9dia

Gaeton, o prefeito, me convidou para visitar sua cidade e um ano depois eu fui para lá. Descobri que todas as pessoas da cidade falavam francês. Descobri também que grande parte da economia local era baseada na pesca do raro salmão Atlântico.

Enquanto andava pelas ruas com Gaeton, dois homens puxaram conversa com ele. Houve uma longa conversa em francês que eu não entendi nada do que foi dito. Depois que terminaram de falar, Gaeton me explicou o que tinha acontecido. Ele falou que a cidade tinha colocado redes nos fluxos dos salmões para que eles ficassem perto de Amqui e acessíveis aos pescadores registrados. Os dois homens contaram que alguém estava cortando as redes para que os salmões avançassem no rio e pudessem ser pescados ilegalmente. Gaeton respondeu aos homens: “Isso é terrível! O que vocês pensam que podemos fazer sobre isso?”

Os homens pensaram um pouco e então responderam três coisas que imaginavam ser possíveis para cuidar da questão. Gaeton perguntou: “Tem alguém que poderia ajudar vocês a fazer essas coisas?”

“Sim”, eles responderam. “Conhecemos alguns outros pescadores que podem ajudar.”

Gaeton disse: “Vocês podem convidá-los a estarem com vocês em uma reunião hoje à noite na Prefeitura?” Eles concordaram.

Naquela noite eu estive com Gaeton na reunião com as quatro pessoas incomodadas com os furos nas redes. Ele insistiu que a conversa fosse feita na sala de reuniões do Conselho da Cidade.

Gaeton liderou a discussão sobre como o grupo poderia lidar com a pesca ilegal de salmão. Quando terminaram, tinham planos específicos e pessoas comprometidas a executá-los.

Então, Gaeton perguntou: “Existe algo que a Cidade pode fazer para ajudá-los a executar esse plano?” Os participantes fizeram dois pedidos.

Gaeton então disse, “Declaro vocês como o comitê oficial de Preservação do Salmão em Amqui. Gostaria que vocês se encontrassem para tomar decisões aqui na Prefeitura, uma vez que são uma iniciativa oficial. Gostaria que viessem às reuniões do Conselho da Cidade para contar como a iniciativa tem se saído.

Depois, o líder da Associação Nacional de Organização de Desenvolvimento Comunitário me contou que o processo que eu tinha presenciado era repetido diversas vezes por Gaeton, ao longo de todo o seu mandato como prefeito. O resultado disso era que em Amqui, quase todos os seus cidadãos tinham ocupado papéis de “oficiais de governo” e se tornado os principais solucionadores de problemas da comunidade.

Todo líder de governo pode aprender muito com o prefeito de Amqui. Ele parte da premissa que os residentes da cidade são os principais solucionadores de problemas. Isso significa que eles têm as melhores ideias sobre o que precisa ser feito. Isso também significa que eles também têm o melhor conhecimento sobre quem precisa fazer o que precisa ser feito.

Trabalhando a partir dessas premissas, as funções do Prefeito envolvem:

  • Ouvir com atenção às definições de problema e criação de soluções dos cidadãos;
  • Juntar os cidadãos para que desenvolvam um plano de ação que os envolvesse como protagonistas;
  • Ofertando apoio para as iniciativas do cidadão, em vez de assumir que a Prefeitura era a resolvedora de problemas da comunidade;
  • Outorgar poder aos cidadãos, nomeando-os como “oficiais de governo” com responsabilidade e autoridade sobre suas iniciativas;
  • Criar uma experiência que faz com que os cidadãos se sintam responsáveis pela própria comunidade.

Amqui floresce porque o Prefeito atua a partir de três princípios:

  1. Primeiro, consensua com residentes se os problemas podem ser resolvidos pelos próprios cidadãos agindo juntos usando os recursos da comunidade;
  2. Segundo, checa se a Prefeitura pode potencializar os recursos coletivos dos cidadãos, dando acesso a recursos e ativos da municipalidade;
  3. Terceiro, reconhecer que existirão problemas que não podem ser resolvidos com recursos dos cidadãos, mesmo que apoiados pela Prefeitura. Nesses casos, esta precisa assumir responsabilidade integral.

A sequência de três etapas é crítica, se a participação e ação cidadã é o desejado. A primeira questão precisa ser: Os cidadãos conseguem definir o problema, definir soluções e implementá-las? A última questão tem a ver com o papel do governo nessas iniciativas lideradas por cidadãos.

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